terça-feira, 18 de novembro de 2008

Greve na UERJ

Em 23 de Setembro de 2008, o aluno da UERJ Samuel Braun P. Lima publicou, no Globo Online, o artigo que segue abaixo, revelando muitos dos trâmites escusos que possibilitaram a realização da greve, bem como criticando a atuação do DCE no processo.

Apesar de grande, vale a pena ler para entender melhor o que acontece por baixo dos panos.

A crise da Uerj vai muito além da greve

Primeiramente, acredito que intentar ser o propagador da verdade não é sensato. Mas é necessário expor uma visão sobre a situação atual da UERJ.

A Universidade do Estado vem sofrendo há vários anos com problemas estruturais e pontuais, e isto fatalmente levaria a chegar num estado de coisas no qual seria impossível tomar meias medidas, ou posições equilibradas.

Os professores reivindicam salários melhores, baseando-se em um cálculo de defasagem que supera os 66%. Isto é reconhecido e até considerado substancial pelos alunos e pela comunidade universitária como um todo. Entretanto, não há qualquer consenso em considerar isto motivo para uma greve unilateral e menos apoio ainda em considerar uma greve a medida aconselhável para pleitear esta causa.

A UERJ passa por uma situação tão caótica que problemas sérios como este (salarial) são colocados pela racionalidade como secundários e periféricos. Outros tantos problemas, muito mais emergenciais e profundos, gritam por atenção. Entretanto, o sindicato aparelhado se nega a conversar com os estudantes, calando-os e vaiando-os em assembléias, e em reuniões esvaziadas decidem entrar em greve, mesmo com negociações abertas e em progresso constatável.

A entidade que representa(ria) os estudantes, o DCE, é notoriamente alinhada politicamente com a representação docente (Asduerj), e fez uma intensa campanha clandestina para apoiar a greve, mesmo sendo esta repudiada pela grande maioria estudantil. Utilizando-se de diversos métodos, tais como atrasos de assembléias, interferências em assembléias de Centros Acadêmicos e indo até o ponto de trazer pessoas que sequer são alunos da UERJ (muitos inclusive secundaristas) para votar e fazer maioria a favor da greve, contrariando à opinião real, que em assembléia prévia tinha dito "NÃO" à greve.

Neste quadro político viciado, o Sintuperj (sindicato dos técnico-administrativos) foi o último a decidir por alguma mobilização, mesmo sendo a categoria com mais defasagens e desrespeitos sofridos.

A ocupação da reitoria foi um movimento à parte de tudo isto. Numa mistura de euforia e de revolta, ambos os lados decidiram (por motivos diversos) que os estudantes tinham que fazer algo para que a sociedade e o governo vissem os REAIS problemas da UERJ:

Os que eram contra a greve queriam expor as mazelas verdadeiras e estruturais, tais como o não cumprimento da Constituição Estadual que destina 6% da receita líquida tributária para a UERJ, o esquizofrênico modelo de representação da UERJ, onde os alunos e técnicos têm direito a apenas 15% dos votos nos conselhos deliberativos, onde comissões de "notáveis" é que avaliam as contas da UERJ, de forma nebulosa para a comunidade universitária geral e o perigo de perder a verba já liberada para a construção de um "bandejão" na UERJ, cujo prazo de utilização está prestes a expirar.

Os que sempre foram a favor da greve (até por opções eleitorais e partidárias) foram a favor por ver nela um meio de misturar a mobilização estudantil às mobilizações sindicais, usando assim os estudantes como "massa de manobra". Era uma alternativa para contornar a derrota que tiveram, primeiro com a assembléia dizendo "NÃO À GREVE", e depois com a mesma dizendo "SIM" apenas se os professores assinassem um compromisso a entrar em greve e apenas sair após a pauta estudantil ser integralmente cumprida, fato que obviamente não seria aceito pelos docentes e seus métodos divisionistas.

Por um motivo ou por outro a ocupação se deu com esta disputa entre os anseios legítimos e os reprováveis. Infelizmente, com a freqüente "visita" de candidatos dos partidos de extrema esquerda que disputam as eleições do Rio (não citarei os nomes, mas são bem conhecidos) e os sucessivos atentados às decisões da assembléia estudantil, numa parceria extremada entre o DCE e o sindicato docente, a ocupação virou apenas um palco de exposição política, esquecendo por dias as pautas, perdendo-se pontos da mesma e inclusive sumindo atas de assembléia.

Mas eu pergunto aos que estão na ocupação, e aos que como eu estão em casa acompanhando apreensivos, não se este é o caminho certo, mas se realmente cada vez que a UERJ precisar de atenção terá que se recorrer a ocupações e greves? As greves já são bienais, sempre em períodos eleitorais, e as ocupações? Serão parte do cronograma da UERJ também?

A UERJ clama por democracia, por respeito e por dignidade. Clama por responsabilidade do(s) governo(s) e dos representantes de categorias (Asduerj, DCE e Sintuperj). Clama por seriedade e pelo não aparelhamento e utilização política de suas necessidades.

Mas o resultado que pode ser auferido de todo este relato é que a UERJ está numa crise tão grande que até mesmo reivindicações justas são colocadas como oportunistas quando se sobrepõem a outras mais urgentes. Como pode uma universidade com respaldo internacional, estar há anos com rampas caindo, incêndios "voluntários" acontecendo, falta até de giz, banheiros deteriorados e infectando todo o corredor, buracos nas paredes, elevadores instáveis, dentre tantos outros absurdos. E tudo isto porque o governo se nega a transferir as verbas que a Constituição do Estado prevê.

Será que os professores e técnicos que pleiteiam direitos negados (as perdas salariais) também serão taxados de vagabundos? Será que o governo continuará a ignorar que a UERJ já não clama mais por socorro, ela agoniza? A educação é tão invisível e desprezível assim?

Por que o estado não investe na UERJ? Não é colocar dinheiro, e sim investir, esperar retorno. Sou estudante de Ciências Sociais, pretendo me especializar em política e, assim como eu, milhares de profissionais de altíssimo gabarito e de resistência e bravura louváveis se formam anualmente, profissionais estes que o estado poderia utilizar, direta e indiretamente.

Estamos em período eleitoral, e vemos as mesmas promessas sobre educação que foram usadas há dois anos. De lá pra cá, Cabral assinou compromisso, recebeu título de chanceler e foi agraciado com um reitor aliado, e mesmo assim, a UERJ está no CTI. Qual será a solução? Unidades de Pronta Diplomação?

Até quando vamos assistir calados o sucateamento do estado, da educação? Os países e estados que prosperaram priorizaram a educação, e nós sequer cumprimos com o mínimo previsto na Constituição.

Pior que os maus administradores são os cidadãos que se negam a expor a realidade, ou aqueles que se aproveitam do momento pra utilizar politicamente dos problemas em proveito próprio.

Acorda UERJ, acorda Cabral, acorda mídia, acorda sociedade! Educação não é secundário, não é desperdício. Educação é progresso, é justiça social, é o futuro!


Samuel Braun P. Lima é estudante do 4º período de Ciências Sociais da UERJ e diretor do Centro Acadêmico de Ciências Sociais

Um comentário:

didi disse...

AAi adoro visões alternativas de uma dada realidade!